Histórias de outros tempos

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As tibornas

 

Os meu avós viviam em Brinches, uma aldeia do concelho de Serpa onde a família do meu pai tinha um lagar de azeite. Quando eu era rapaz, o meu pai que era moleiro, responsável de uma fábrica de moagem em Serpa, ia regularmente a Brinches ver os pais e os irmãos, alguns dos quais trabalhavam no lagar. Nesse tempo, o meu pai não tinha automóvel e o seu meio de transporte era uma carrinha puxada por uma égua russa pela qual ele tinha grande estima e que nos transportou durante muitos anos.

De manhã cedo, ele atrelava a égua à carrinha, colocava umas peles de ovelha nos bancos para termos algum conforto e lá partíamos com o meu irmão Jaime e às vezes a nossa mãe que ia ver os pais que também viviam em Brinches. Nesse tempo, eu nem tinha relógio de modo que não me lembro de quanto tempo demorávamos a fazer o trajeto de 11km. Devia ser perto de uma hora.

Chegados a Brinches, íamos a casa dos nossos avós e, se fosse durante a laboração do lagar, pedíamos à nossa avó que nos desse pão para uma tiborna.

Habitualmente ela dava-nos um pão caseiro inteiro que devia pesar um bom quilo e já teria dois ou três dias de feito.

Assim que apanhávamos o taleigo com o pão, saíamos disparados para o lagar que ficava perto da casa dos nossos avós paternos. Chegados ao lagar, íamos logo pedir ao senhor António Dias, mestre do lagar, que nos cortasse duas fatias de pão que, segundo recordo, deveriam ter entre um e dois centímetros de grossura. E, de imediato, ele levava-nos a uma caldeira que era aquecida por lume de bagaço de azeitona onde havia sempre uma grelha para poder grelhar o pão. Lembro com saudade o cheiro, ou melhor o aroma que se desprendia do lume assim como do lagar onde o azeite escorria ao longo das pilhas de ceras ou capachos onde era colocada a massa das azeitonas moídas pelas mós de granito.

Assim que o pão estava torrado, era mergulhado (1) no azeite morno que corria da centrífuga. Retirado do azeite e escorrido, colocávamos um pouco de sal grosso por cima e toca a comer com sofreguidão. Eu que sempre fui uma “boca doce”, preferia às vezes açúcar em vez do sal. Que sabor delicioso, inesquecível! Àquelas torradas mergulhadas no azeite, chamávamos tibornas. E todos os outonos e invernos da nossa mocidade, o ritual recomeçou até a uma adolescência bastante tardia. E sempre com a mesma excitação e prazer que ainda sinto hoje ao recordá-lo, passadas tantas décadas.-

 

(1) Práticas de outros tempos que as regras de higiene de hoje não toleram.